domingo, 6 de julho de 2008

Umbanda - uma religião brasileira











Zélio Fernadino de Moraes
e Zilméia de Moraes Cunha
Em fins de 1908, o jovem Zélio Fernandino, de uma família tradicional da Neves, Estado do Rio de Janeiro, foi acometido de estranha paralisia para a qual os médicos não conseguiam cura. Certo dia, para surpresa dos familiares, ergueu-se do leito e declarou: Amanhã estarei curado.
No dia seguinte, levantou-se normalmente e começou a andar como se nada lhe tivesse acontecido. O jovem Zélio estava com 17 anos e pretendia fazer carreira militar na Marinha.
A medicina não conseguiu dar respostas às muitas perguntas que foram formuladas sobre o estranho e sobrenatural acontecido. Os tios, sacerdotes católicos, também não puderam esclarecer o ocorrido. Um amigo da família sugeriu uma visita à Federação Espírita de Niterói, presidida, nesta época, por José de Souza.
No dia 15 de novembro, Zélio foi convidado a participar da sessão. O dirigente dos trabalhos espirituais determinou que ocupasse um lugar à mesa. O jovem foi tomado por uma força estranha e superior à sua vontade e, contrariando as normas da casa, que impediam o afastamento de qualquer dos componentes da mesa, levantou-se dizendo: Aqui está faltando uma flor. Saiu da sala indo ao jardim, retornando logo depois com uma flor, que depositou no centro da mesa. Essa atitude insólita causou um tumulto. Acalmado os ânimos, depois do ato de rebeldia do jovem, durante os trabalhos manifestaram-se espíritos que se diziam de pretos escravos e de índios. Estes espíritos foram convidados a se retirarem e foram advertidos de seu estado de atraso espiritual.
Novamente tomado por uma força estranha, o jovem Zélio falou, sem saber o que dizia. Ouvia, apenas, a sua própria voz a perguntar o motivo que levava os dirigentes dos trabalhos a não aceitarem a comunicação desses Espíritos e por que eram considerados atrasados apenas pela diferença da cor e da classe social que revelavam.
Seguiu-se um diálogo acalorado entre o Espírito que falava pela boca do jovem Zélio e os responsáveis pela sessão. Estes tentavam doutrinar e afastar o Espírito desconhecido, que desenvolvia uma argumentação segura e lógica, difícil de ser negada.
Um dos médiuns videntes perguntou, então ao espírito manifesto:
- Por que o irmão fala nesses termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de Espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram quando encarnados, são claramente atrasados? Por que fala desse modo, se estou vendo que me dirijo, neste momento a um jesuíta e sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual é o seu nome Irmão?
- Se julgam atrasados os Espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho, para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o Plano Espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber o meu nome, que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim.
- Julga o Irmão que alguém irá assistir ao seu culto? - perguntou ironicamente o médium vidente.
- Cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei.
Em 1974, aos 83 anos, Zélio de Moraes lembrava os acontecimentos do dia seguinte, 16 de novembro de 1908:
- Minha família estava apavorada. Eu mesmo não sabia explicar o que se passava comigo. Surpreendia-me haver dialogado com aqueles austeros senhores de cabeça branca, em volta de uma mesa onde se praticava um trabalho, para mim desconhecido. Como poderia, aos 17 anos, organizar um culto? No entanto, eu mesmo falara, sem saber o que dizia e porque dizia. Era uma sensação estranha: uma força superior que me impelia a fazer e a dizer o que nem sequer se passava pelo meu pensamento.
E no dia seguinte, em casa de minha família, na rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, ao se aproximar da hora marcada - 20 horas - já se reuniam os membros da Federação Espírita, seguramente para comprovar a veracidade do que fora declarado na véspera; os parentes mais chegados, amigos, vizinhos e, do lado de fora, grande número de desconhecidos.
Às 20 horas, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Declarou que iniciava, naquele momento, um novo culto em que os espíritos dos velhos africanos, que haviam servido como escravos e que, desencarnados, não encontravam campo de ação nos remanescentes das seitas negra, já deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para trabalhos de feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra, poderiam trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raça, o credo e a condição social. A prática da caridade, no sentido amor fraterno, seria a característica principal desse culto, que teria por base o Evangelho de Jesus e como Mestre o supremo Cristo.
O Caboclo estabeleceu as normas em que se processaria o culto. Sessões - assim se chamariam os períodos de trabalho espiritual - diárias, de 20 às 22 horas; os participantes estariam uniformizados de branco e o atendimento seria gratuito.
Deu, também, o nome desse movimento religioso que se iniciava: disse primeiro Allabanda, mas considerando que não soava bem a sua vibração, substituiu-se por Aumbanda, ou seja, Umbanda, palavra de origem sânscrita, que se pode traduzir por Deus ao nosso lado, ou ao lado de Deus.
A casa de trabalhos espirituais, que no momento se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como Maria acolhe o filho nos braços, também seriam acolhidos, como filhos, todos os que necessitassem de ajuda ou de conforto.
Ditadas as bases do culto, após responder, em latim e em alemão, às perguntas dos sacerdotes ali presentes, o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou à parte prática da sessão, manifestou-se um Preto Velho, Pai Antônio, que vinha completar as curas.
Testemunhas que presenciaram o fato contam que médicos dos sanatórios de doenças mentais mandavam a relação dos seus doentes e a entidade, incorporada em Zélio, apontava os que eram portadores de perturbações psíquicas:
- Estes, eu posso curar - e os acolhia na residência do médium.
Os outros eram realmente doentes mentais; a cura de suas enfermidades competia à medicina
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